quinta-feira, 2 de julho de 2015

O Que Você Tem a Perder?

Eu gostaria que minha família tivesse um carro melhor, uma casa melhor, ter aparelhos eletrônicos melhores.
(Não que eu não ame tudo que eu tenha, é que ser humano é ambicioso mesmo)

Eu tenho vários medos, medo de ser desrespeitada, medo de decepcionar meus pais, medo de ser motivo de piada, medo de não conseguir cumprir compromissos.

Mas eu raramente temi pela minha vida, eu nunca tive medo da fome ou do desamparo. Eu aprendi o certo e o errado, eu tive pais presentes na minha educação que nunca me bateram pra machucar, nunca descontaram em mim suas frustrações.

Eu sempre tive oportunidade, estudei em boas escolas, fiz ballet, inglês, informática, treinei handebol, já participei de jogos escolares, campeonato de xadrez, atletismo, fiz cursinho. Eu não tenho medo da falta de oportunidades.

Ao primeiro sinal de que eu não enxergava bem meus pais correram comigo pro oftalmologista e no mesmo dia eu já tinha meus óculos cor-de-rosa que eu tinha escolhido a armação.

Apesar de ter medo de dor e doença eu nunca tive medo de não ser socorrida. Eu sempre tive plano de saúde, eu sempre fui a consultas, fiz exames, tomei remédios, fiz terapia, fisioterapia, cirurgia.

Então se eu cometesse um crime quando era menor e fosse presa, eu perderia muito.

Perderia minha liberdade, a atenção frequente dos meus pais, meus amigos, minha família, meus animais de estimação, meus brinquedos, meus livros, minha escola, minhas atividades, meus desenhos.

No futuro eu provavelmente perderia oportunidades de emprego pela passagem na prisão, perderia anos de estudo, perderia anos maravilhosos da minha infância e juventude.

Então se eu fosse racionalizar a questão, eu veria que não vale a pena roubar para ter um celular novo porque se meus pais puderem me dar, eles darão, se não puderem eu terei oportunidade de estudar, me qualificar, melhorar de vida e no futuro comprar o celular que eu quiser.
No Brasil, na remota possibilidade de eu ser pega (eu sou branca, educada, não sou uma suspeita em potencial) eu perderia coisas que eu amo.

Mas e quem não tem nada a perder?
Quem não tem família presente e amorosa?
Quem não é respeitado, é humilhado, ridicularizado, desprezado?
Quem não tem acesso à educação, cultura, lazer, esporte?
Quem não tem médico quando precisa?
Quem apanha da polícia por ter o tipo "considerado" suspeito?
Quem não vê possibilidade de futuro?
Quem não vê um igual tendo sucesso, melhorando de vida?
Quem não vê possibilidade de conquistar algo que deseja a não ser pelo crime?

O que essas crianças temeriam perder?
Pouco, muito pouco, quase nada, nada.

E vocês acham que a remota possibilidade de ir pra cadeia com 16 em vez de 18 pode mudar isso?

Esses jovens não se intimidam pela presença de criminosos porque esses já fazem parte do seu cotidiano; não temem a comida ruim de cadeia pois muitas vezes é melhor do que a que eles tinham em casa; não temem perder oportunidades futuras de emprego porque nunca viram nelas possibilidades reais de melhoria de vida; não temem a privação de atividades de cultura, lazer e esporte porque muitos nem tinham acesso a nada disso; não temem a ausência da família porque muitas vezes a família não é amorosa, é ausente chegando a violenta e abusadora em muitos casos.
Não temem a privação da liberdade porque já estão acostumados com toque de recolher.

Esse tipo de medida só mostraria alguma eficácia para os jovens que tem algo a perder, mas esses podem pagar advogado e se safar de homicídio culposo mesmo sendo maior de idade.

Os jovens de 16 anos que cometem crime hoje não deixarão de cometer amanhã porque a maioridade penal foi reduzida. A lei "branda" não é o motivo deles cometerem crimes. Então não é mudando essa lei que se chegará a algum lugar.







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