sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Humores

Olho o relógio. É madrugada. De novo.
Esfrego os pés um no outro, eles têm vida própria. Ouço o primeiro ônibus passar. Droga. Já é de manhã. Já é amanhã e não fiz o que queria. Não fui quem queria.
Será um dia maravilhoso, olha que céu incrível! Quantas pessoas maravilhosas pra se conhecer! Abraçar os amigos, saborear guloseimas! Correr, dançar, respirar!
Meu corpo tem vida própria, não me obedece, treme e anda pela casa, sorri e vê o sol. E eu presa dentro dele.
As pessoas passam, eu sorrio. Interagem, eu aceno, cumprimento, faço uma piadinha com a esquina do meu sorriso.
Já teve aquela sensação de carro sem freio?
Eu tomo o volante nas mãos, seguro com toda a força, ele ri de mim. Não estou no carro, não estou dentro de mim.
Estou lá fora entre os balões e os pôneis coloridos. Entre os corações flutuantes. Tudo é precioso pra não se viver intensamente! As flores cantam quando passo, as borboletas me imitam e os passarinhos são minha escolta.
Até que algo acontece, qualquer algo. Perder uma caneta, derrubar um pouco de água, não entender um comentário.
Tudo desaba. Todos viram dragões a serem combatidos, meus monstros me perseguem "Eu te disse, eu te disse!" olho em volta e os sorrisos de antes viram gargalhadas de escárnio, as pessoas parecem tão longe, tudo está tão frio.
Não tem problema, volto correndo pra casa, me escondo no cobertor mais próximo, conforto, aconchego, calor, pessoas queridas.
O frio não passa, eu desejo que o cobertor vire um mar e me afogue, que o que comi esteja envenenado, que não acorde nunca mais.
Aí descubro um programa de televisão, um livro, um jogo novo, passo horas alheia do mundo, alheia de mim mesma: feliz.
Olho o relógio. É madrugada. De novo.